domingo, 15 de fevereiro de 2009

O meio é a mensagem

Para se compreender as relações entre o meio e a mensagem, é preciso, antes de tudo, retomar o contexto histórico em que surgiu o capitalismo e quais foram suas conseqüências e reflexos na sociedade. No período da Revolução Industrial, o desenvolvimento tecnológico acelerado permitiu a criação de novas máquinas e, consequentemente, novos meios de comunicação, os quais passaram a ter maior alcance. Nesse sentido, pode-se afirmar, portanto, que a revolução Industrial não se trata apenas de uma revolução das máquinas, mas também de uma revolução comunicacional que, por sua vez, gerou alterações no comportamento da sociedade. As pessoas passaram a ter novos valores e antes a máquina, que era regulada pelas vontades dos homens, passou a regulá-los. Marshall Mcluhan em sua tese analisa justamente como o desenvolvimento dos meios de comunicação refletiu na comunicação propriamente dita e na sociedade. Sua conhecida frase “O meio é a mensagem” sugere a idéia de que o meio, geralmente pensado como simples canal de passagem do conteúdo comunicativo, mero veículo de transmissão da mensagem, é um elemento determinante da comunicação. Ou seja, o meio, o canal, a tecnologia em que a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. Segundo ele: “o meio é a mensagem porque é o meio o que modela e controla a escala e forma das associações e trabalho humanos. Os conteúdos ou usos destes meios são tão variados como incapazes de modelar as formas de associação humana. Em realidade o mais típico é que seu conteúdo nos impede de ver seu caráter”.

Nesse contexto de inauguração do capitalismo as pessoas passaram a ser avaliadas pelo que possuem e não pelo que são. Essa nova valorização puramente visual foi logo intensificada pelo mercado, que passou a ditar os valores dos produtos. Nesse sentido se cria a idéia de fetichismo de Marx, no qual prevalece uma sedução do objeto apenas pelo seu valor e não pelo seu uso. O consumismo não só satisfaz nossos ilusórios desejos como também, e principalmente, alimenta o mercado e favorece as empresas. É essa a idéia de falsa consciência também proposta por Marx. O indivíduo acaba aderindo ao discurso capitalista sem sequer perceber. A idéia de que temos consciência de nossas atitudes é falsa. A sociedade se torna um mero robô do capitalismo. Não se faz o que quer, mas sim o que o capitalismo nos manda fazer. Ao comprar um produto o indivíduo pensa ter consciência de sua atitude, mas, na verdade, está se rendendo às regras do capitalismo. Essa falsa consciência parte do ser capitalista fragmentado, isolado e alienado, que não conhece seu próprio papel na sociedade e no trabalho. Essa mesma teoria de Marx se insere no contexto da informação. As pessoas acabam se importando mais com o meio ou o veículo (equivalente ao valor de troca) e menos com a mensagem (equivalente ao uso), que vira um fator secundário. A Rede Globo, por exemplo, se torna mais importante do que a mensagem veiculada por ela. Segundo McLuhan: “Os homens criam as ferramentas e as ferramentas, por sua vez, recriam os homens. Os recursos com os quais se difundem as palavras são mais relevantes do que as próprias palavras”.

A reificação é uma conseqüência desse sistema, que coloca os indivíduos como mera mercadoria. Esse fenômeno é produzido pela burguesia, que rebaixa a consciência da população e instaura ambições que levam a competição. Assim, se cria a sociedade partilhada e individualista e, consequentemente uma consciência semelhante. O valor que se instaura a partir disso é aquele comumente vivenciado atualmente, o de “ver e ser visto”. Os cidadãos vão ao teatro municipal, não exatamente pelo espetáculo em cartaz, o conteúdo é desvalorizado e o foco principal é ganhar status. Enquanto isso as apresentações de mesma qualidade do SESC permanecem vazias.

A hegemonia do capitalismo criou um sentimento de impotência em cada cidadão. Segundo Gramsci a hegemonia é semelhante à sedução do discurso. A sociedade aceita valores e discursos ideológicos como se fossem naturais, criando, desta forma, o senso comum e reafirmando o poder capitalista. Um indivíduo pode defender o mercado sem nem mesmo o conhecer de fato, simplesmente porque ouviu na TV ou porque ouviu de sua família a vida toda. Nesse sentido a mídia, por ter uma enorme repercussão, se torna um dos principais meios responsáveis por tornar um discurso hegemônico e universal. Essa é uma das conseqüências do meio ser a mensagem. O que é dito na televisão se torna facilmente verdade, tornando também mais fácil difundir ideologias e torná-las hegemônicas. Segundo Gramsci “a mídia é o grande partido da burguesia”.

Para ele, a hegemonia é mais importante do que a ideologia. É preciso ter vários discursos ideológicos para que haja um equilíbrio e a ideologia não se torne hegemônica. É preciso salientar que nem todo discurso ideológico se torna hegemônico. A hegemonia não pode ser imposta à força, ela é transmitida por meio da sedução, tornando-a mais emocional; enquanto a ideologia pode ser imposta por meio da força e por meio de argumentos, fazendo-se mais racional. Em geral grandes instituições, além da mídia, como universidades e igrejas, por exemplo, possuem poder hegemônico, pois são capazes de mudar concepções e valores.

Esse estudo entre a sociedade e seu sistema se insere também nas teorias de outros pensadores. Segundo a Escola de Frankfurt, a indústria do consumo absorve todo e qualquer tipo de manifestação crítica, transformando-a em capital ou em material produtivo. A indústria cultural é a responsável por absorver as críticas e torná-las parte do ciclo, adequando-as de alguma forma ao pensamento capitalista. Toda manifestação cultural acaba virando bem de consumo e perdendo sua integridade autoral. Distorcida pelo capitalismo, a produção artística e cultural de toda uma sociedade acaba virando ideologia. Adorno, um dos fundadores do grupo, percebeu que o sistema de troca de mercadorias é capaz de integrar ao seu mecanismo coisas que na verdade não têm um valor mercadológico. O mercado absorve, reifica e massifica toda a sociedade e sua produção cultural. Ele explica essa idéia com a seguinte metáfora: se o poder fosse um leão, a ideologia seria sua fúria contra o antílope que quer comer. Nesse sentido, mercado é, novamente, quem determina o valor e a qualidade dos objetos. O valor da produção humana é delimitado pelo meio em que está inserida, pela sua repercussão, marca ou forma. Assim, o meio se torna a mensagem.

Para Freud, a civilização não existe sem limites e proibições. Em seus estudos a respeito do complexo de Édipo, ele metaforiza o prazer na figura da mãe; e a limitação, a regulação desse prazer, que chama de realidade, na figura do pai. Assim, o abismo interno de todo indivíduo é a distância entre prazer e realidade. Esse vazio interno, a distância entre o que somos e o que queremos, é o principal alvo de ataque da indústria do consumo. Evocando os desejos mais profundos do ser humano, através de símbolos e estímulos ao subconsciente, o mercado torna objeto de consumo qualquer coisa que lhe parecer atraente.

Uma vez inserida na sociedade da técnica e do consumo, qualquer coisa pode se tornar mensagem. A mídia hegemônica trabalha para veicular o que possa servir como informação e o público trata de consumi-la. mesmo que seja desnecessária. O cotidiano da mídia sensacionalista serve como exemplo: captura-se uma série de fatos isolados, que, uma vez inseridos no espaço público, tornam-se mensagens, como no caso da menina Eloá.

Já para Nietzsche, não existe uma verdade absoluta das coisas. A verdade existe para cada um, e é apenas a maneira como talhamos o mundo de acordo com nossos interesses, a partir da nossa visão individual. Nesse sentido, todo pensamento é uma forma de ideologia e ilusão, mas que se coloca como necessária para a sobrevivência do indivíduo frente às restrições lhe impostas pela sociedade.

A ideologia, para ele, é o conjunto de pensamentos individuais, que, uma vez reunidos passam a simbolizar um domínio estático desvinculado dos valores metafísicos. Na civilização atual, tudo é imediato, efêmero e insignificante, e o desenvolvimento de diferentes racionalidades é uma das conseqüências do fluxo inexato de informações.

Se, para Nietzsche, a razão é um conceito subjetivo, uma organização do mundo para fins pragmáticos, o meio não necessariamente é mensagem. A mensagem obtida a partir de uma informação qualquer dependerá da interpretação de seu destinatário. O meio, portanto, pouco importa para que essa mensagem seja compreendida.

Nenhum comentário: