domingo, 15 de fevereiro de 2009

Comentário do livro “A corrida o século XXI - No loop da montanha-russa”


O livro de Nicolau Sevcenko trata basicamente da discussão da evolução tecnológica e suas vastas conseqüências na política, na cultura, no meio-ambiente e no comportamento da humanidade. Logo no início o autor compara a evolução tecnológica a uma montanha-russa, na qual podemos compreender o que significa estar exposto às forças naturais e históricas agenciadas pelas tecnologias modernas. A experiência da montanha-russa pode se dividir em três partes, representando diferentes momentos da história:

A primeira parte se trata da ascensão contínua que nos eleva e assegura nossas expectativas otimistas. Esta fase representa o período entre o século XVI até meados do século XIX quando ocorreu a Revolução Industrial. Foi nesse período de grande desenvolvimento que a Europa assegurou sua manipulação dos poderes e riquezas. Essa convicção otimista foi expressa na fórmula “ordem e pregresso”. Frase ironicamente usada também em nossa bandeira brasileira, considerando que somos um país de terceiro mundo.

A segunda fase da montanha-russa é o da queda e pode ser representada pelo período de 1870, com a chamada Revolução Científico-Tecnológica. A incorporação e aplicação de novas teorias científicas propiciaram o domínio e a exploração de novos potenciais energéticos. O otimismo, a expansão das conquistas européias e a confiança no progresso atingiram seu auge. No entanto, esses recursos tecnológicos geraram concorrências que culminaram em caos e terror expressados através da Primeira Guerra Mundial. Após esse período houve uma retomada do desenvolvimento científico e tecnológico, porem à sombra da Guerra Fria. O que significava que, independente de quais fossem os avanços, o que prevalecia era sensação de medo.

A terceira fase da montanha-russa é o loop. Ele representa o clímax da aceleração precipitada tecnológica, que criou um universo de possibilidades e expectativas imprevisíveis, irresistíveis e incompreensíveis. Sendo assim, instaurou-se na sociedade um sentimento de incapacidade e incompreensão. Fazendo com que as pessoas se conformassem e cessassem de tentar compreender esse novo mundo.

Esse sentimento de conformismo é denominado pelo autor de “síndrome do loop”. A síndrome faz com que as pessoas se sintam desobrigadas de criticar o sistema político-social em que vivem. Porém, felizmente, a síndrome tem cura. Para enfrentá-la é preciso desdobrar o tempo em presente, passado e futuro. É justamente isso que o livro faz, ele nada mais é do que o manual de cura para alienação das pessoas diante de um mundo que desde que começou a ser transformado não parou um segundo para pensar nas conseqüências e passou por cima de todas as éticas e morais da humanidade. Algumas das conseqüências dessas grandes mudanças já podem ser vistas, basta olharmos para o meio ambiente e para a vasta desigualdade social. No entanto, os meios usados para o avanço dessa tecnologia continuam sendo os mesmos. Por esse motivo o sistema no qual vivemos não deve e não pode deixar de ser debatido e criticado para que então possa ser usado a favor de toda a sociedade e não contra uma parte dela.

Segundo o autor, o uso da tecnologia aboliu nossa percepção sobre o tempo, assim como nossa percepção sobre o espaço. Este último é claramente demonstrado pela globalização. O fenômeno fez com que as grandes corporações pudessem ultrapassar e ampliar seus horizontes comerciais. A expansão do Liberalismo resultou no que de fato viria a ser a era da globalização. Tal medida garantiu uma infinita mobilidade e vantagens às empresas. Deste modo a tecnologia e essa nova organização dos negócios, dada sua rapidez e alcance, se esquivaram de qualquer controle e fiscalização. As empresas ganharam um poder de ação que superou o poder dos sistemas políticos e tornou a sociedade, assim como o Estado, subordinada ao novo sistema econômico liberal. Os trabalhadores, sem poder contar com o apoio de governo, se viram obrigados a trabalhar em condições extremamente exploratórias. O Estado de bem-estar social se tornou algo inimaginável em uma situação em que as empresas detinham o poder e a liberdade absoluta. Foi só com o surgimento dos partidos comunistas e com a Revolução Russa que as empresas se sentiram ameaçadas com uma provável revolução dos operários e começaram a negociar seus devidos direitos, prometendo assim o tão desejado Estado de bem-estar social.

Esta situação serve claramente para demonstrar o poder da massa. A hegemonia do capitalismo criou um sentimento de impotência em cada cidadão. No entanto, se todas as pessoas dispusessem de educação elas perceberiam que essa hegemonia pode ser destruída por meio das manifestações. É a partir daí que a população consegue aplicar seu poder e exigir das corporações os seus direitos. Acredito que o que falta é essa consciência de poder que o povo possui em suas mãos.

Infelizmente, o poder e o discurso do liberalismo se tornaram tão grandes que acabaram mudando até mesmo a ideologia da oposição, fazendo com que ambos os lados seguissem o novo dogma de sobrevivência em sociedade: o dogma da eficiência, o qual coloca a culpa da marginalização não no sistema vigente, mas nas próprias pessoas. Aqueles que são marginalizados o são pois não quiseram se enquadrar às regras da sociedade e se tornarem eficientes para a ela. Sendo que, em verdade sabemos que o próprio sistema capitalista não oferece oportunidades e naturalmente exclui uma parte da população, é disso que o capitalismo sobrevive. Essa situação em que ambos os lados adotaram o dogma lançado pelo sistema liberal acabou por cessar o debate político e gerou um censo conformista, denominado “pensamento único”. O que significa que o povo se rendeu as forças do mercado, deixando seu destino nas mãos dele e não mais na esperança de construção de um Estado de bem-estar social.

Nessa sociedade altamente modernizada e mecanizada não é mais a tecnologia que atende as necessidades dos homens. Agora é a sociedade que deve se adaptar ao ritmo e a aceleração das máquinas. Fato bem ilustrado no filme Tempos Modernos de Charles Chaplin. A aceleração tecnológica provocou não só uma mudança no comportamento, mas também nos valores da sociedade. As pessoas passaram a ser avaliadas não mais pelo que são, isto é, por suas qualidades; mas sim pelo que possuem. Os valores, portanto, se voltaram para o materialismo e a sociedade do “ser” se tornou a do “ter”. Essa nova valorização puramente visual foi logo intensificada pela a publicidade. O consumismo exacerbado que se instaurou passou a funcionar como um preenchimento dos vazios e tédios da sociedade e alimentava a crescente devoção ao prazer.

Tal busca felicidade e todas as formas de alegria passaram a ser um desejo imediato. Deste modo a mercadoria trabalhou arduamente para satisfazer essas vontades. Quando compramos uma roupa, por exemplo, estamos satisfazendo nosso desejo imediato, porém depois de um curto período essa roupa já não vai mais nos satisfazer e teremos que comprar outra. O consumismo não só satisfaz nossos ilusórios desejos como também, e principalmente, alimenta o mercado e favorece as empresas.

Com o mesmo intuito de preencher o espaço vazio e o individualismo que se instaurou na sociedade, surgiu a indústria do entretenimento. Esta, por sua vez, pretendia alcançar o maior número de pessoas pelo menor preço. O chamado “mercado das emoções baratas”. Foi nesse contexto em que surgiram o cinema e o parque de diversões.

Particularmente não vejo nenhum problema na indústria do entretenimento desde que seja usada com consciência e que não seja usada em detrimento da educação. O problema está, e não só nesta situação, quando fazemos o uso alienado dela. Se pudermos dispor da diversão desta indústria com um olhar crítico, ele não será algo superficial e alienador, mas sim uma simples forma de diversão da qual todos necessitam. No entanto, infelizmente, em geral o entretenimento é usado de forma alienante.

O resultado dessa nova era do consumo e do entretenimento alienado que se estabelecia é uma situação na qual as pessoas são estimuladas a concorrer umas com as outras e se tornarem individualistas pensando unicamente no próprio bem e no “aqui agora”, sem pensar no futuro e, muito menos, nas sociedades futuras.

Assim como o crescimento tecnológico resultou na mudança de comportamentos e idéias, o seu uso exacerbado e inconsciente resultou na devastação do meio ambiente. Hoje vivemos em meio a uma enorme poluição, gerando doenças, deformações e agravando o efeito estufa. Do mesmo modo estamos acabando com todas as reservas naturais e destruindo todas as espécies animais. Mesmo assim o ser humano insiste em seu crescimento tecnológico contínuo sem pensar nas conseqüências e gerações futuras.

Diferentemente de muitos estudiosos, o autor do livro não propõe regressarmos a uma era antepassada e abandonar a tecnologia. Nem mesmo propõe algum outro sistema de organização. Nicolau Sevcenko é um realista não radical. Sua proposta é simples e eficaz: é preciso que seja superada a síndrome do loop para que então haja discussão e participação de toda a sociedade nas decisões sobre o uso da tecnologia, para que, deste modo, ela possa ser usada cautelosamente e conscientemente, pensando não só no presente, mas também no futuro e não só como uma vantagem para uma pequena parcela da população, mas sim para a sociedade como um todo. A tecnologia deve ser usada a nosso favor, a favor da humanidade.

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