domingo, 15 de fevereiro de 2009

O poder devastador da imprensa marrom


O debate acerca da ética jornalística é algo fundamental atualmente. Mas a discussão não é de agora. Até mesmo filmes foram feitos para pôr em pauta a questão e incentivar reflexões. O longa-metragem A Montanha dos Sete Abutres é um deles. Dirigido por Billy Wilder o filme conta a história do jornalista Charles Tatum, vivido por Kirk Douglas que, após ter sido demitido de diversos jornais, consegue um emprego em um pequeno jornal de Albuquerque, no qual não pretende ficar por muito tempo. Neste momento Tatum diz algo marcante que, em poucas palavras, define a mensagem principal do filme: "Eu posso cuidar de grandes notícias e pequenas notícias, e se não houver notícias eu saio e mordo um cachorro". Na cena inicial o carro quebrado do personagem demonstra bem a situação precária em que ele se encontra e que o leva a procurar emprego em um jornal tão pequeno.

Seu objetivo, contudo, é buscar um furo de reportagem que o coloque na grande imprensa novamente. Passado um ano Charles Tatum ainda trabalha no jornal e por ordem de seu chefe e a contra gosto, o jornalista é encarregado de fazer a cobertura de um evento de caça às cascavéis. No caminho ele e o fotógrafo do jornal resolvem parar em um posto, onde por acaso descobrem o acontecimento ideal que renderia seu tão buscado furo jornalístico. Um homem chamado Leo Minosa está soterrado em uma mina – a chamada caverna dos sete abutres que dá nome ao filme – ao procurar por relíquias indígenas. O jornalista promete ajudá-lo e finge ser seu amigo.

No entanto, devido a sua enorme ambição, Tatum convence o xerife a garantir que somente ele tenha contato com o homem dentro da caverna e que o engenheiro utilize o método mais demorado e complicado para retirá-lo do desabamento. Do mesmo modo, ele consegue também fazer com que a bela mulher de Leo, Lorraine Minosa, desista de fugir e fique para faturar com sua lanchonete, que logo encheria de visitantes curiosos. Além, é claro, de corromper o ingênuo fotógrafo que acaba se tornando cúmplice. Deste modo Tatum, durante uma semana, conquista sua glória novamente. Suas notícias sensacionalistas rapidamente se espalham, tornando o ocorrido um grande “circo”. O único a realmente se preocupar com o estado do homem é o pai de Leo. Milhares de pessoas se dirigem ao local para assistir de camarote ao processo de perfuração da caverna. Suas armações, contudo, não saem exatamente como o esperado e acaba se voltando contra ele próprio.

O tema central do filme, apesar de produzido no início da década de 50, nos remete a questões atuais e de demasiada importância. A imprensa marrom, – equivalente ao yellow journalism em inglês - não tão comum naquela época, se tornou hoje algo normal e cotidiano. Manipular informações, corromper pessoas, distorcer fatos e fazer uso do sensacionalismo para lucrar com a notícia são fatores evidentes e fizeram da mídia apenas mais uma fábrica, parte do mercado capitalista, no qual o único intuito é vender. A notícia se tornou apenas mais um produto e, infelizmente, o que vende é a tragédia alheia. Caberia melhor chamá-la de “imprensa negra”. Seguindo esta lógica de mercado, é necessário lembrar que não se pode culpar unicamente a mídia, pois ela está atendendo a um pedido do mercado. Se a demanda é boa, o lucro é bom, e, portanto, mais mercadorias como estas serão produzidas. Quem garante o lucro das empresas jornalísticas é o próprio público. Isto é, o povo sustenta a imprensa marrom.

O programa “Brasil Urgente”, por exemplo, apresentado por José Luiz Datena, representa o auge do sensacionalismo atual. Desgraças e mais desgraças se tornam novelas e a mesma notícia é repetida diversas vezes no mesmo dia, como o famoso caso Isabela. Em relação à corrupção, um dos artifícios comumente usados pela imprensa marrom para conseguir notícias (como faz Charles Tatum) já não é novidade e se tornou um vício incontrolável. Distorcer notícias e até mesmo ocultá-las, passando na maioria das vezes por cima da ética e moral de tudo e de todos para conseguir o lucro do jornal e garantir a autopromoção do jornalista são atitudes supostamente condenáveis, mas nada é feito. O caso Dantas não só envolve aparelhos e personagens políticos como também a mídia, a qual fez questão de divulgar dados incompletos e superficiais sobre o caso, ou até mesmo usar artifícios mais extremos como fez a “Veja” ao acusar Paulo Lacerda de grampear uma conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, sendo que até hoje o áudio da conversa não apareceu. A revista “mordeu o cachorro” para gerar uma notícia inexistente em benefício próprio e defender seu aliado Daniel Dantas.

O filme, embora considerado um clássico atualmente, fracassou nas bilheterias. Fato explicável, considerando que naquela época a própria imprensa se sentiu atingida e o público se viu caricaturado. Por esse motivo os produtores decidiram mudar o título do filme originalmente lançado como “Ice in the Hole” para “The Big Carnival” e relançá-lo nos cinemas, tentativa também fracassada. Naquela época o sensacionalismo ainda não parecia ser um problema de extrema abrangência como hoje em dia. Mesmo assim o longa recebeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro e ganhou o Prêmio Internacional, no festival de Veneza. O filme possui um final dramático que transparece um fundo moral que quase empobrece a trama. No entanto, é um final otimista, pois representa a esperança de um novo jornalismo, mais ético e íntegro. O filme nos proporciona não só uma ótima oportunidade de reflexão sobre o jornalismo e o conceito de notícia atualmente, principalmente para os que pretendem se tornar futuros jornalistas, como também uma reflexão a ética e a moral de um modo geral.

Nenhum comentário: